Rosa Marques e Alberto Fernandes: 28 anos depois, a frieza não incomoda mais (IGOR DE MELO) |
A casa dos sonhos, às vezes, é apenas uma casa resistente. Com paredes de tijolo, saneamento básico, longe dos alagamentos, perto dos amigos. Onde se possa abrigar geladeira, fogão, mesa, cadeira e armário sem se despedir de tudo a cada inverno bravo. Não precisa reboco nem janela de vidro. As 198 famílias da antiga comunidade Maravilha, no Alto da Balança, há duas quadras chuvosas, alcançaram essa graça e desaprenderam a vigília aflita.
Viver no Conjunto Habitacional Nossa Senhora de Fátima I é um fazer as pazes. Há 33 anos casados, os aposentados Rosa Marques, 68, e Alberto Fernandes, 65, viveram 28 longos invernos debaixo d’água. “No verão, a gente dormia; no inverno, pastoreava as casas uns dos outros. Ninguém dormia”, relembra Rosa. E o friozinho? Não se tinha cabeça pra isso. E sorri, porque passou. “Hoje não dou fé da chuva. Acordo toda enrolada da frieza, mas durmo a noite toda”, conversa ela, com ares de triunfo.
“Comprei uma casa dentro do rio e coloquei Rosa pra viver lá. Você precisava ver a raiva dessa mulher quando a primeira chuva acabou com tudo”, intromete-se Alberto. A água batia no pescoço, o fogão, os móveis davam vencimento em menos de um ano. Às vezes, escapava a geladeira, porque desligavam da tomada e depois mandavam pro conserto. Mas isso hoje é história contada com risada alta.
A casa da Rosa é toda enfeitada de santos e flores. A da vizinha Francisca Onorato, 62, tem umas cortinas vermelhas entre sala e quartos. Nos cômodos pequenos, o apuro simples da dona de casa: quadros, rendas, miudezas e limpeza. “Esse é o meu palácio”, orgulha-se Francisca, depois de quase 50 anos dividindo um único cômodo com os dois filhos. Sem piso, sem forro, sem privacidade. Nos invernos, alagado e cheio de goteira.
Novas gerações
Os pingos da chuva hoje encantam a diarista Zenaide da Silva, 47. Foram 19 anos intrigada com a água. Corria a pendurar os bens no teto, deixar os filhos do abrigo improvisado da escola local e entrar no trabalho com a roupa encharcada e o pensamento preso no barraco. “Era assim com todo mundo. Fiz uma jura de só comprar minhas coisinhas quando tivesse onde botar”, emenda Rosa.
Em casa de tijolo exposto, Francisca vive com três gerações de familiares. Quando mima o neto João, quatro meses de brancura e bochecha, a mulher lembra a época dos filhos com a mesma idade. E suspira: “Era outra vida. Tinha deles que chorava assustado. Eu saía pra salvar as coisas, eles gritavam com medo de eu me afogar”.
O quê
ENTENDA A NOTÍCIA
Dormir abrigado da chuva sem medo de ter a casa arrasada pela água é desejo alcançado por 16 extintas áreas de risco em Fortaleza. Desde 2009, as famílias do Conjunto Nossa Senhora de Fátima fizeram as pazes com a chuva.
SAIBA MAIS
Até a metade do ano, correndo tudo conforme planejado pela Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor), a área de risco da comunidade Maravilha estará erradicada.
Antes da intervenção da Prefeitura, a comunidade abrigava 606 famílias em barracos e apartamentos construídos pela Igreja Católica. Taipa ou cimento, alagava com a menor chuva. Os moradores viviam à beira do canal.
Em 2008, começou a entrega dos quatro Conjuntos Habitacionais: os Nossa Senhora de Fátima I, II e III e o Planalto Universo. Esse último, a duas quadras da beira do canal, foi o primeiro a ser entregue e beneficiou 144 famílias.
No Nossa Senhora de Fátima I, do outro lado da BR-116, 198 núcleos familiares foram abrigados. O Nossa Senhora de Fátima II é composto por 144 apartamentos. O Nossa Senhora III hoje comporta 60 casas, com 30 mais por entregar ainda este semestre.
Janaína Brás
janainabras@opovo.com.br
Fonte: jornal o povo
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