É preciso
compreender a natureza da crise atual do sistema político brasileiro. Caso
contrário, correremos o sério risco de cair numa grande cilada, em que a
política, o partido e a vitória eleitoral passam a ser um fim em si mesmos.
A nós, petistas militantes e
socialistas, herdeiros de um legado utópico, em que a política é um meio mediante
o qual se podem transformar as mais diversas realidades, cabem a defesa
intransigente da ética, em seu aspecto mais complexo e humano, e a capacidade
de repensar o cenário social. Temos o compromisso de, juntamente com a
sociedade, acumular energia necessária para o grande embate.
Dobrar-se ante as práticas antirrepublicanas
significa restringir os movimentos sociais a uma mera clientela desvalida de um
partido, cuja missão é ser o porta-voz e o instrumento a serviço da massa de
trabalhadores e dos excluídos da nação.
Essa crise é burra porque nos
condena a ver como novidade, nos espaços da mídia, a repetição exacerbada de crimes
e violações que acontecem em nossa nação desde os primórdios, não sendo
privilégio deste ou daquele governo. Lamenta-se a morosidade na construção de
uma agenda que promova o amplo debate sobre possíveis estratégias do projeto
nacional. A resistência ao capitalismo se espalha pelo mundo. Um século e meio se
passaram desde a contribuição de Marx e Engels ao refletirem sobre a história e
a economia da sociedade humana e ao anunciarem o espectro de um fantasma
rondando toda a Europa, cuja capilaridade remonta a um tratado do poder
econômico que se concebe acima do bem e do mal. Estudiosos como Bauman, Eduardo
Galeano, Boa Ventura Sousa e Milton Santos dialogam sobre teses mais
atualizadas acerca da crise mundial e dos paradigmas da civilização.
Vemos, por todo lado, o capital
dando sinais claros de sua superação. Alguns episódios na Europa desenvolvida
nos chamam a atenção: 20% dos trabalhadores belgas estão desempregados; a maior
greve do setor da metalurgia ocorrida nos últimos seis anos em Bruxelas, paralisando,
por mais de 24 horas, a sede do parlamento europeu; segundo dados do governo
italiano, os trabalhadores da Itália não dispõem de um centavo de euro sequer
para comprar um pão, nos últimos 10 dias do mês; a venda do leite tem uma queda
de 20% nos últimos 15 dias do mês; recente comoção oriunda de um movimento de
jovens afrodescendentes e filhos de imigrantes, na periferia de Paris, liderou
manifestações que alcançaram a Alemanha, sendo fortemente reprimidas. O motivo?
Desemprego, discriminação e a ausência de políticas públicas significativas em
países da Europa.
Cobrar dos governos uma política
econômica menos ortodoxa, que rompa com a lógica do capitalismo, e poder lançar
mão da economia justa ou solidária é inverter a lógica das relações, dando
atenção à questão local e à vocação do potencial das comunidades. Outra
economia é possível. No contexto atual, o Brasil desenvolve um papel importante
de articulador, que fala para os dois mundos. Coloca-se como aglutinador de
forças em conjunto com os países da América Latina, cuja plataforma elucida um
processo político de integração plena o qual combina um desenvolvimento com
base na sustentabilidade econômica e social dos ditos países periféricos; por
outro lado, iniciativas como o MERCOSUL, a ABRINC e o CONESUL atestam a
necessidade do debate e do intercâmbio, próprios do acúmulo de força. Segundo
Bauman, os interesses da agenda capitalista mundial têm gerado uma nova
categoria de gente: os underclasses,
os “não assimiláveis”.
A conjuntura é desafiadora porque
cobra objetivamente posições políticas e ideológicas com muita precisão. A
complexidade das relações e o desenho de mundo que foi concebido têm formato
unilateral e não conseguem dar conta de respostas e resoluções simples e
complexas, como o redesenho de uma arquitetura palaciana, das palafitas e das
favelas. Como encantar o humano fora dos padrões da sociedade de consumo? Como
despertar a nossa vontade criativa para o ócio? Deve-se pensar o ócio de forma diferente,
com inversão, para que não seja apenas o passatempo dos filhos da burguesia,
dos que vivem entediados... Há algumas décadas e mais recentemente,
testemunha-se o aquecimento da participação em espaços onde a governabilidade
tem sido um processo de construção permanente. As mídias e/ou redes sociais –
que se constituem como um meio, um instrumento, e não como um fim – e fóruns
abertos para a participação popular que evidenciam um tempo distinto daquele
contado pelas grandes assembleias de trabalhadores, dos congressos e das
manifestações coletivas presenciais. No entanto, a revolução continua sendo a
grande obra das pessoas e das massas de trabalhadores. Agora é em tempo real
que se planeja o desmonte do modelo da real politics. Bandeiras são
desfraldadas em defesa de uma democracia participativa para ocupar, por
excelência, os espaços de debate, para aprofundar e buscar a política como um
instrumento capaz de ser reinventado, para trafegar numa dimensão social que
alarga as fronteiras e permite o diálogo aberto sobre os limites mais diversos
que são impostos no nosso cotidiano.
Íris Tavares
Historiadora
Diretório
Estadual do PT/CE.